Definição e semelhanças: A polirradiculoneuropatia inflamatória desmielinizante aguda (PIDA) e a síndrome de Guillain Barré (SGB) são situações semelhantes e quase sempre apreciadas como a mesma entidade clínica, apesar de diferenças no aspecto neurofisiológico e do espectro imunológico. Ambas são doenças de caráter imunológico que atacam os nervos periféricos com instalação aguda e se manifesta através de fraqueza muscular rapidamente progressiva e ascendente. A classificação considera a SGB como a forma desmielinizante, que foi a primeira descrição clínica detalhada com critérios clínicos e laboratoriais estabelecidos, elaborados há exatos 100 anos (1916) por Georges Guillain, Jean-Alexandre Barre e Andre Strohl. As variantes das formas de polirradiculoneuropatia aguda de PIDA descritas posteriormente, compartilham aspectos comuns, inclusive o tratamento e por isto são estudadas no mesmo contexto clínico. Tal fraqueza está frequentemente associada a dissociação proteína citológica no líquido cefalorraquiano (LCR), presença de anticorpos antigangliosídeos e alterações neurofisiológicas no exame de ENMG. Acomete todas as raças e nacionalidades, com incidência estimada entre 0,4 a 6 casos por 100 mil habitantes por ano, particurlamente em adultos acima dos 40 anos.
Evolução e achados clínicos frequentes: Quando a doença progride até o seu nadir, o paciente pode apresentar graus variados de fraqueza, de tetraparesia discreta até a incapacidade completa com tetraplegia e insuficiência respiratória. O envolvimento de músculos do tronco cerebral e consequente disfunção de nervos cranianos é frequente (nervos facial, oculomotor, trigemio e hipoglosso são os mais acometidos). Habitualmente ocorre hipo ou arreflexia dos reflexos de estiramento. Trabalhos apontam que aproximadamente 10 % dos casos de PIDA os reflexos de estiramento podem ser normais, eventualmente vivos. 30 % destes casos evoluem para ventilação assistida.
A síndrome tem curso monofásico na grande maioria dos casos e atingir o grau máximo de comprometimento em menos de 24 horas, dias ou semanas. A metade dos casos alcança o nadir em duas semanas, não progredindo mais que 5 semanas. Uma pequena parte dos casos pode ter um segundo pico de fraqueza após as 5 semanas , outras vezes estamos diante da manifestação inicial da forma crônica polineuropatia inflamatória desmielinizante crônica / PIDC.
A fraqueza muscular é relativamente simétrica com sinais e sintomas sensitivos, mas as queixas sensitivas seguem como situação de menor importância para o paciente. Dor pode ser um sintoma que abre o quadro, mas não costuma demorar por muito tempo. A recuperação da fraqueza muscular se inicia entre 2 a 4 semanas após o pico máximo e pode persistir por meses. A maioria dos pacientes (70-80%) recupera-se funcionalmente até o sexto mês após o primeiro sinal motor, considerando a marcha independente como recuperação funcional favorável. Mesmo com suporte adequado de terapia intensiva, AINDA existe uma taxa de 3-5% de óbito nesta doença.
Disfunção autonômica manifestada através de taquicardia e outros distúrbios do ritmo, hipotensão postural, hipertensão arterial, distensão abdominal e sintomas vasomotores são sintomas frequentes na maioria dos casos. Edema pulmonar neurogênico pode ser uma complicação grave. Retenção urinaria, oftalmoraresia e papiledema pode ocorre, numa frequência bem pequena dos pacientes.
Exames e diagnóstico diferencial na PIDA/SGB: Rotina laboratorial geral, incluindo avaliação da função renal, hepática, provas autoimunes e quadros infecciosos devem ser solicitados em todos os casos.
Situações regionais de epidemias, como por exemplo as flavoviroses (vírus da Dengue, Zica e Chikungunya no Brasil), podem necessitar de exames específicos, pois a associação destas epidemias com o aumento de casos de PIDA e o vírus da Zika já está bem estabelecido na comunidade científica (anexo SGB e Zika).
Exames que fazem parte dos critérios diagnósticos de SGB/PIDA
Líquor (LCR): Os níveis proteicos do LCR se elevam, achado mais evidente na segunda semana. Há casos com proteinorraquia normal. O número de células é normal, não ultrapassando 10 e, em pacientes com síndrome de deficiência imunológica adquirida ou quadros pós infecciosos a celularidade pode atingir 50.
Mais de 50cel/mm3 após 2 sem de sintomas, suspeitar:
. HIV soro-conversão, doença recente
. Carcinomatosis leptomeningea,
. CMV polirradiculite,
. Sarcoidose
Eletroneuromiografia (ENMG): A eletroneuromiografia é um exame neurofisiológico, funcional para avaliar a normalidade da condução nervosa. Estímulos elétricos, eletrodos de superfície e de agulha são utilizados para demostrar o comprometimento da condução sensitivo-motora na SGB. O exame ENMG tem papel fundamental no diagnóstico diferencial.
É o exame que ajuda classificar o tipo de comprometimento das fibras nervosas (axonal, desmielinizante, sensitivo, sensitivo-motor) e a extensão da doença (braços, pernas, face). Quando realizado seriado (intervalo de 15 dias entre os exames) corrobora para esclarecer algumas das expectativas sobre o prognóstico.
Anticorpos antigangliosídeos: São anticorpos presentes SGB/PIDA. Autoimunidade mediada pelas células T direcionada para as proteínas da mielina e anticorpos contra glicolipideos da mielina do nervo periférico. Estes anticorpos foram identificados no soro de pacientes com SGB e sua queda foi observada com a melhora clinica dos mesmos (imunidade humoral). Observou-se que 37-40 % dos pacientes com PIDA/SGB tem anti-gangliosídeos positivo no sangue. O mais frequente é o anti-GM1, seguido por anti-GM2, anti-GQ1b e antiGD1a e anti-GD1b. A forma motora axonal está frequentemente associada ao anti-GM1
Diagnóstico diferencial: Algumas doenças e situações clínicas que precisam ser descartadas quando existe a suspeita de SGB/PIDA.
. Intoxicação por hexacarbonos (solventes voláteis, n hexano e methil n butil cetona)
. Porfiria aguda intermitente (dosagem de porfobilinogênio e ácido aminolevulínico na urina).
. Vasculite periférica ou associado a doenças autoimune (periarterite nodosa, Lúpus)
. Mielíte transversa
. Crise miastênica
. Intoxicação pelo chumbo com neuropatia
. Poliomielite, síndrome pólio-like por outros enterovírus
. Botulismo,
. Paralisia periódica familiar,
. Neuropatia tóxica (Ex: compostos organofosforados)
Eventos precedentes e as formas de apresentação clínica: Cerca de dois terços dos pacientes com a síndrome apresentam um evento precedente do tipo infeccioso (infecção de vias aéreas, estado gripal, diarréia, pós vacinais). Infecção de vias aéreas superiores predomina entre crianças. Cirurgias, cirurgia bariátrica, internação em centro de terapia intensiva, infecções como CMV, HIV e toxoplasmose já foram correlacionadas com o desenvolvimento de SGB/ PIDA.
A variante da forma motora axonal ou AMAN (sigla que corresponde o nome em inglês axonal motor acute neuropathy) é mais frequente quando ocorre diarreia por Campilobacter jejuni. Isto ocorre devido a existência de mimetismo molecular dos anticorpos contra antígenos de superfície do bacilo e estrutura semelhantes à dos gangliosídeos do axolema (GM-1), assim um ataque cruzado ocorre contra a membrana, provocando lesão axonal.
A SGB é descrita como a forma desmielinizante clássica é mais frequente nos Estados Unidos e Europa, enquanto a forma axonal é mais frequente na Asia. Na SGB há preservação do axônio e o ataque se faz à bainha de mielina. São encontrados infiltrados de células mononucleares constituídos por linfócitos e macrófagos. Estes fagocitam a bainha de mielina, provocando desmielinização multifocal.
Variantes da polineuropatia desmielinizante aguda (PIDA/ SGB):
a) Apresentação clássica desmielinizante: SGB.
b) Apresentações axonais: espectro da mesma doença que diferem principalmente em relação a extensão do comprometimento e gravidade
. AMAN: acute motor axonal neuropathy
. AMSAN: acute motor-sensory axonal neuropathy
c) Bloqueio reversível canais de Sódio/canalopatias (nova classificação)
d) Variante motora faringo-cervico-braquial
e) Variantes de predomínio sensitivo (Acute sensory ataxic neuropathy)
f) Pandisautonomia
g) Síndrome de Miller-Fisher e encefalopatia de Bickerstaff: mesmo espectro relacionado aos anticorpos anti-GQ1b com oftalmoplegia + ataxia + arreflexia e a presença de rebaixamento da consciência e sinal de Babinski na encefalopatia de Bickerstaff.
Tratamento: Prioridades e objetivos do tratamento na SGB/PIDA
1) Suporte clínico e manter a vida;
2) interferir nas alterações da resposta do sistema imune que conduzem às disfunções e danos estruturais ao nervo (tratamento específico: Pulso com imunoglobulina Humana IgIV ou Plasmaférese);
3) minimizar as complicações e sequelas,
4) reabilitar física, psíquica e socialmente o paciente.
O tratamento "específico" deve ser iniciado, preferentemente, durante as duas primeiras semanas de instalação da síndrome. Em casos selecionados individualmente, observa-se melhora clínica mesmo iniciando o tratamento após 20 dias de doença.
Desde a definição do diagnóstico de PIDA estes cuidados devem ser instituídos. Apoio psicológico de toda a equipe que está tratando o paciente, tendo como base o prognóstico favorável da SGB, evitar escaras, proteção dos olhos - se houver paralisia facial periférica; Fisioterapia motora e respiratória do paciente devem ser instituídas precocemente, mesmo no leito, visando à manutenção do tropismo muscular e prevenir retrações. A fisioterapia deve ser continuada até a completa recuperação do paciente.
Atenção especial: Suporte nutricional adequado, profilaxia de Infecções e tratamento da dor.
NOTAS IMPORTANTES:
. PIDA/SGB É UMA DOENÇA AGUDA E QUE EXIGE DIAGNÓSTICO RÁPIDO E TRATAMENTO ESPECÍFICO INSTITUÍDO O QUANTO ANTES PARA MELHORAR O PROGNÓSTICO.
. É UMA DOENÇA QUE INCAPACITA AGUDAMENTE, ALGUMAS VEZES EM QUESTÃO DE HORAS, COM LIMITAÇÃO MOTORA E FUNCIONAL QUE PODE DEMORAR MESES ATÉ SUA RECUPERAÇÃO COMPLETA.
. INÍCIO DE RECUPERAÇÃO EM 28 DIAS ATÉ 200 DIAS
. 80% DOS CASOS A RECUPERAÇÃO É FAVORÁVEL
. DÉFICITS / SEQUELAS SEVERA EM 10% - 15% DOS PACIENTES.
. A INTERNAÇÃO EM CENTROS DE TERAPIA INTENSIVA DIMINUIU A INCIDÊNCIA DE ÓBITO DE 20% PARA 5%
. O TRATAMENTO ESPECÍFICO DIMINUIU O TEMPO MÉDIO DE INTERNAÇÃO NESTA DOENÇA DE 90 PARA 30 DIAS.
- O NEUROLOGISTA E NEUROFISIOLOGISTA TEM PAPEL FUNDAMENTAL NO ATENDIMENTO E SEGUIMENTO DESTES PACIENTES.
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