A hanseníase é considerada uma das mais antigas doenças da humanidade. Foi descrita desde os tempos bíblicos, com os primeiros relatos há mais de 3000 anos. A hanseníase é considerada um problema de saúde pública no Brasil, especialmente pelo seu potencial incapacitante e forte efeito social de discriminação e estigma. Além disso, a hanseníase ainda representa a principal etiologia infecciosa de neuropatia periférica em todo o mundo.

A principal via de transmissão da doença é a via aérea superior, de modo que outras vias de eliminação do bacilo não são relevantes do ponto de vista epidemiológico, já que o bacilo não atravessa a pele íntegra e a infecção não se dissemina pelo toque.

Embora para muitos profissionais a hanseníase represente apenas uma doença de pele e que cursa com manchas e lesões cutâneas, o bacilo M leprae apresenta um tropismo pelas células de Schwann. Desta forma, em alguns pacientes, a hanseníase pode se manifestar como uma apresentação clínica em que ocorre apenas o comprometimento de nervos periféricos, definida como hanseníase neural primária (HNP), cujo diagnóstico é fundamentado principalmente nos estudos eletrofisiológicos - eletroneuromiografia, biópsia de nervo periférico, exames sorológicos e moleculares.

Clinicamente, a HNP cursa com um comprometimento neural periférico predominantemente sensitivo e assimétrico. Outro dado importante é a presença de espessamento neural, que embora não seja um sinal clínico exclusivo da neuropatia hansênica, contribui bastante com a suspeita diagnóstica, sobretudo na existência de um antecedente epidemiológico em regiões endêmicas.

O diagnóstico diferencial da hanseníase neural primária deve incluir outras causas de mononeuropatias e mononeuropatias múltiplas, tais como inflamatórias (colagenoses e vasculites não-sistêmicas); metabólicas (diabetes, hipotireoidismo, associadas a agentes tóxicos e medicamentosos); traumáticas e posturais (compressões agudas e crônicas); congênitas e hereditárias (neuropatia hereditária suscetível a pressão - HNPP, neuropatias hereditárias sensitivo-motoras – Charcot-Marrie-Tooth - CMT e suas variantes) e tumorais. Por isso, é sempre muito importante, no momento do diagnóstico de HNP, reforçar a ausência de outra etiologia suspeita para a neuropatia periférica durante a anamnese e avaliação clínica.

O atraso no diagnóstico é comum especialmente nesta forma clínica, possivelmente em decorrência da falta de ferramentas diagnósticas disponíveis, corroborando para um subdiagnóstico. Apesar de um aparente progresso observado nos últimos anos no controle da hanseníase no Brasil, a identificação precoce de casos neurais ainda representa um desafio na prática clínica. Por isso, é essencial a presença do neurologista e neurofisiologista/eletroneuromiografista como parte da equipe multidisciplinar de atendimento da hanseníase.